Agreste ao Sertão Viajando 5000 Km pelo Nordeste vi muita coisa. Conheci a hospitalidade do povo sertanejo, que com mesa farta recebe quem quer que seja, sem ao menos perguntar o nome. Povo de jeito simples, religioso e forte em tradição e mais – eficientes comunicadores. Vilarejos onde o conhecimento da cidade grande pouco se aproveita em um mundo simples e com desapegos. Em terras secas vi um entardecer belíssimo e um tom de azul celeste que somente a paisagem do sertão é capaz de produzir. Em rodas de conversas ouvi histórias de testemunhas sobre a vida e captura do lendário cangaceiro Lampião e sua trupe. O que para nós é parte do “ouvir falar”, para eles foi o day-by-day no Nordeste no tempo do cangaço.
Um roteiro mais jornalístico e documental, confesso. Um misto de riqueza e pobreza, tão característico no nosso país. Em muitas cidades encontrar estrutura para turismo é coisa rara. Em outras, entretanto, o turismo começou a acordar e tem recebido cada vez mais pessoas interessadas em conhecer a rica cultura do interior do Nordeste. Há boa estrutura em cidades de porte médio como Petrolina, Mossoró, Caruaru e Campina Grande por exemplo. Cada uma com fortes manifestações e expressões de sua gente.
E é assim, quando o olhar menospreza rotas conhecidas do turismo para se embrenhar por ecossistemas e ciclos distintos da lógica urbana, cria-se um desses motivos de peregrinação em direção ao “quase nunca visto” que enriquecerá o repertório de vida de qualquer viajante.
Do entalhe ao barro – a arte nordestina
O artesanato dessa parte do país é variado e reflete muito o dia a dia de cada região. Da cultura rica dos mestres do entalhe às figuras de barro de Mestre Vitalino a arte vinda do Nordeste é generosa em tradição, mas que vira e mexe seus artistas nos surpreendem com novas técnicas e releituras. É um tributo a vitalidade e capacidade de reinvenção do povo brasileiro.
Em Petrolina, as feições nada simpáticas das carrancas, utilizadas nas embarcações para afugentar maus espíritos quando atravessavam o velho chico, ganharam uma nova compreensão através das mãos habilidosas de Ana Leopoldina Santos, a Ana das Carrancas. Com olhos vazados e traços mais humanos as famosas peças são adquiridas no ateliê da artista que hoje estão sob os cuidados de sua filha, Maria da Cruz e exportados para o mundo todo. Quem quer conhecer a história e a arte é só aparecer na rua Cid Bezerra Bandeira – COHAB Massangano.
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Na oficina de Mestre Quincas, a miscelânea de materiais e técnicas torna a visita interessante; vários artesãos expõem peças entalhadas em madeira como animais, santos e o cotidiano sertanejo.
Em Caruaru, no agreste Pernambucano por exemplo, as muitas expressões e formas de arte encontradas na maior feira aberta do Nordeste acontece em meio a melodia de tocadores de pífanos e a possibilidade de negociar a arte diretamente com o artesão. Mas é no Alto do Moura, o maior centro de arte figurativa das Américas, que a arte se refina e o estilo único se revela. Dentre tantas expressões está Mestre Vitalino, o artista nascido em 1909 que mantém viva a sua arte através de seus filhos e muitos admiradores. Mas há outros artesãos, como Mestre Galdino, Zé Caboclo, Manuel Eudócio e tantos outros. Perambular por ali é entender um pouco dessa parte do país, além de ser campo farto para fotos dos estereótipos nordestinos.
A arte nordestina em barro representa lendas e o cotidiano de sua gente.
O cordel
Não há nada mais típico no campo da literatura nordestina do que o cordel. Encontrados em feiras e mercados municipais pelo Nordeste os livretos pendurados em cordas estão recheados da cultura popular com o objetivo de entreter o leitor. Os versos, com rimas, métricas e linguagem coloquial têm como elementos primordiais o sarcasmo, ironia e o uso do humor. A xilogravura é a técnica usada para ilustrar as capas dos folhetos. A técnica utiliza uma matriz de madeira que é entalhada à mão com um instrumento cortante ou com um buril. O relevo receberá a tinta que irá imprimir a imagem no papel.
BR 232 fica o Centro de Artesanato de Bezerros, uma matriz do Centro de Artesanato de Pernambuco que busca resgatar a arte dos mestres pernambucanos – os produtos comercializados são diretamente do artesão ao público consumidor. Cada capital tem seu Centro de Artesanato, a arte que é vendida lá, quase sempre, sai das mãos dos artesãos do agreste e sertão.
Faroeste nordestino: Para muitos um bandido, para tantos outros Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião foi herói do seu povo – um cabra que buscava justiça pela morte trágica de seu pai. Lampião, Herói ou Bandido trás a história do ícone nordestino na visão de João Firmino Cabral, importante cordelista sergipano falecido em 2013.
São João, Bode Velho e o Maracatu Rural
É junho e as pilhas de lenhas e fogueiras prontas já estão à venda nas esquinas das cidades pelo Nordeste. Viva, é São João! Tempo de quadrilhas, comidas típicas, Repentistas e Bacamarteiros. E mais ainda, uma competição insistente para ver quem é a maior e melhor São João – os competidores? Caruaru e Campina Grande. Um em Pernambuco o outro na Paraíba. Campina recebe anualmente mais de 1 milhão de pessoas e Caruaru tem sua festa mais longa, começando na primeira semana de junho e se estendendo até julho e o título de Maior São João do Mundo no Guinness Book. Nessa briga de quadrilhas vence quem deixa o povo mais feliz no final da festa.
Photo: Divulgação / Arnaldo Felix
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Outra festa curiosa é a Festa do Bode Velho, em Cabaceiras, no agreste da Paraíba. No início do mês de junho tem de tudo, de gincanas a fórmula bode, onde moradores trazem os competidores (bodes) para ver quem leva a taça pra casa. E faz sucesso!
No carnaval é a vez dos grupos folclóricos entrarem em cena. A beleza das danças, roupas e ritmos está na ausência do apelo comercial tão característico no carnaval de algumas cidades do Nordeste, principalmente as capitais. O maracatu rural de Araçoiaba, Nazaré da Mata (Engenho do Cumbe) e Tracunhaém são uma bela representação do que acontece pelos vilarejos do agreste e sertão.
Roliúde nordestina e a Paixão de Cristo
A pequena cidade de Cabaceiras, na Paraíba foi colocada no mapa dos roteiros e filmes brasileiros e serviu de vitrine para o mundo conhecer essa região do país. Ao todo foram gravados 12 filmes no cenário desértico no sertão da Paraíba.
Alguns filmes roliudianos:
Alto da Compadecida, de Guel Arraes (2000)
Madame Satã, de Karim Aïnouz (2003)
Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes (2006)
Beiço de Estrada, de Eliézer Rolim (2017)
Paixão de Cristo
Um espetáculo que acontece todos os anos na Semana Santa desde de 1968.
E é lá em Brejo da Madre de Deus na cidade Teatro de Nova Jerusalém que milhares de pessoas assistem ao drama do calvário em um teatro a céu aberto de 100 mil metros quadrados.
É gente do nordeste – Agreste ao Sertão
Ícones da cultura nordestina o peregrino Antônio Conselheiro, Padre Cícero – “Padim Ciço” e o compositor Luiz Gonzaga.
Como é dirigir no Agreste e Sertão?
Dirigir por estas bandas requer certos cuidados. A substituição dos tradicionais jegues pelas Shinerays e outras motocas deixou centenas de animais à deriva por todo o Nordeste. Não raro avistam-se jegues atropelados à beira das principais rodovias da região, atestando o risco que representam aos motoristas.
Se planejar dirigir nas rodovias do agreste ao sertão, fique atento à animais nas proximidades das rodovias e evite viajar à noite.
Além dos jegues, bodes e cabritos também são frequentes nas rodovias da região. A viagem noturna também deverá ser evitada, pois, além de aumentar o risco de atropelamento de animais que se deitam no asfalto à noite para aproveitar o chão quentinho, o risco de ser assaltado também aumenta consideravelmente.